O movimento por mais conquistas e consolidação efetiva dos direitos de pessoas no espectro do autismo saiu fortalecido, nesta segunda-feira (29), durante o evento bate-papo "Autismo – Diversidade e Respeito", realizado no auditório do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Pará (TCM-PA), em Belém, com a participação de representantes de vários órgãos públicos, entidades civis organizadas e familiares de autistas. O presidente do TCM-PA, conselheiro Sérgio Leão, disse que ao acolher essa causa e outras, o Tribunal tem um papel muito importante de orientar e incentivar os municípios a investirem em políticas públicas, bem como redobrar sua ação fiscalizadora com foco nessa área da gestão municipal.
Segundo Sérgio Leão, mais importante que saber se as gestões municipais estão investindo 25% em educação e 15% em saúde, é saber se essas aplicações de recursos estão trazendo, de forma eficiente, resultados satisfatórios e eficazes em favor da sociedade, especialmente dos menos favorecidos econômica e socialmente e portadores de deficiências.
"Nossas leis são boas e até muito avançadas para o nosso País, mas há um enorme descompasso entre o que é proposto e sua execução. Mães não estão conseguindo chegar à porta do atendimento público", destacou o presidente do TCM-PA, acrescentando que esse quadro só será superado se a sociedade como um todo refletir e tomar consciência da necessidade de agir. "Precisamos acelerar nossas ações", afirmou Leão.
O bate-papo "Autismo – Diversidade e Respeito" teve a intermediação da jornalista Pollyana Gomes e contou com as participações da promotora de Justiça Mariela Hage, do Ministério Público do Pará; da professora Flávia Marçal, da Universidade Federal Rural da Amazônia; da psicóloga Cláudia Nogueira e do representante da Comissão dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Pará, Marcos Silva. Como representantes da sociedade, participaram o advogado Raphael Maués e Jaciara Sabbá, pais de crianças enquadradas no Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Pelo TCM-PA prestigiaram o evento os conselheiros Mara Lúcia, Daniel Lavareda, Antonio José Guimarães, os conselheiros substitutos Adriana Oliveira, Márcia Costa, Alexandre Cunha e Sérgio Dantas, além de servidores, estagiários e terceirizados. O Ministério Público de Contas dos Municípios do Pará foi representado pela procuradora Elisabeth Salame.
POLÍTICAS PÚBLICAS
A conselheira Mara Lúcia, conselheira ouvidora do TCM-PA, engajada no movimento, elogiou a sensibilidade do presidente Sérgio Leão para com a causa e ratificou que o Tribunal vai contribuir com seu trabalho de orientação técnica e de fiscalização, para colaborar e garantir que os municípios desenvolvam políticas públicas em benefício das pessoas com deficiências, como o autismo.
A arquiteta Eliane Quaresma, mãe do autista Lucas Quaresma, que é quadrinhista e formado em designer de produtos, parabenizou o TCM-PA pela iniciativa de organizar o evento, que representava a sociedade se aproximando da causa dos autistas e de seus familiares. Ela relatou seu drama e luta para conseguir tratamento adequado para seu filho. "Foi uma luta solitária e nunca imaginei que um dia veria um auditório lotado como este, para tratar desse assunto. O trabalho de inclusão dos autistas na sociedade é muito importante e requer compreensão, terapia, dedicação, acompanhamento psicológico especializado e médico", destacou.
No final do evento, Lucas Quaresma autografou sua nova coleção de histórias em quadrinhos intitulada "De que o mundo precisa?" e aborda assuntos relacionados à sustentabilidade. Dez escolas foram receberam a doação das coleções de quadrinhos do Lucas para compor o acervo bibliotecário.
Além da coleção de quadrinhos, Lucas Quaresma também possui um site que disponibiliza histórias digitais, como “Tire a Amanda do Computador”, “O retorno do Robô turbo” “ Adoro cinema” e outras. Também está disponível um jogo gratuito chamado "Medo de Papai Noel", disponível na Play Store.
PRINCIPAIS PROBLEMAS
A psicóloga Cláudia Nogueira deu explicações sobre os problemas que os autistas enfrentam e disse que é importante identificar as áreas de desenvolvimento que precisam ser trabalhadas. "A fase do diagnóstico é dolorida. Não muda nada com o autista, mas sim com quem está ao lado, que passa a vê-lo com outros olhos, tomando consciência do seu mundo", comentou.
Jaciara Sabbá, mãe de uma criança diagnosticada com autismo, muito emocionada ressaltou a importância da intervenção precoce e relatou que atualmente o filho dela já teve alta médica de várias terapias, mesmo com a resistência da família que a classificou com louca quando ela buscou investigar se seu filho estava ou não enquadrado no espectro.
A procuradora de Justiça Mariela Hage disse que o autismo é considerado uma deficiência e o autista deve receber todo o apoio para ser matriculado na escola de ensino regular, pois é benéfico para ele esse convívio. Segundo afirmou, quem se recusar a matricular o autista em escola regular está cometendo um crime. "Os operadores do Direito têm de cobrar o cumprimento da lei", afirmou.
PROJETOS E LUTAS
A professora Flávia Marçal, que é mãe de autista, falou da importância do projeto TEA (Curso de Aperfeiçoamento em Transtorno do Espectro do Autismo: questões pedagógicas e gerenciamento de processos inclusivos) e da implantação da Clínica Escola; do acolhimento e orientação à família de autista e da necessidade de formação específica para autista. Ela elogiou a criação da lei que abre cotas nas universidades para pessoas com deficiências e citou que 24% da população brasileira são portadores de algum tipo de deficiência.
A defensora pública Regina Barata, fundadora da Associação Paraense das Pessoas com Deficiência, falou de sua luta de 38 anos pela causa, elogiou a iniciativa do TCM-PA e disse que estamos saindo da teoria para a prática. "O que o TCM-PA está fazendo é nos ouvir para que possa cobrar providências dos municípios".
O vereador por Belém e médico psiquiatra, Elenilson Santos, lamentou que crianças autistas não tenham tratamento especializado e assistência adequada na escola, por falta de um diagnóstico de um profissional qualificado. Segundo o parlamentar, tem mãe que abandona o tratamento do filho autista porque não tem vale-transporte para se deslocar.
A Assembleia Legislativa do Estado foi representada por Marquinho Silva, da Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo deputado Carlos Bordalo. Ele informou que os deputados aprovaram um projeto de indicação para que seja criado um Centro de Referência Para Autista, com destino de emenda parlamentar na ordem de R$1,5 milhão para implantar o Centro. O projeto está em discussão e conta com um grupo de trabalho formado por várias representações da sociedade.
E O DIA EM QUE EU MORRER?
Um dos depoimentos mais emocionantes foi do advogado Raphael Maués, assessor Jurídico do TCM-PA, que participou do evento como representante da sociedade. Ele tem um filho autista, o Pedro, e contou as dificuldades de lhe dar com a realidade num primeiro momento, que foram logo superadas, tendo ele e a esposa, com o apoio de outros familiares, partindo para a ação.
Ele disse que o autista precisa, em primeiro lugar, é de aceitação; depois, de intervenção, com muito trabalho, tratamento, resiliência e apoio familiar. "Essa luta, principalmente das mães, que estamos vendo aqui, é imprescindível para o avanço das conquistas em benefício da causa".
Com lágrimas nos olhos e a voz embargada, Raphael perguntou a si e a todos: "E o dia que eu morrer? Essa é a grande angústia dos pais de autistas. Quem cuidará do meu filho? Por isso lutamos. Para garantir os direitos dos autistas. O que falta no mundo é empatia das pessoas ditas normais para com as pessoas com deficiências, como o autismo. Por isso é importante lutarmos para construir um mundo melhor para quem está dentro do espectro do autismo e para todos nós".